Obter um pagamento justo pelo trabalho que você desenvolveu é uma tarefa tão árdua como, no meu caso específico, planilhar todos os fornecedores de conteúdo, categorizar cada linha de texto de acordo com periodicidade, natureza, tom e voz e, finalmente, escrever tudo isso de forma agradável e adequada ao público alvo que tive que descobrir em três meses de entrevistas diárias. Propostas que vão e vêem, escopos que triplicam da noite para o dia, hora de trabalho reduzida à metade, enfim, criar um orçamento e aprová-lo frente a nossos clientes é quase sempre uma cruzada. E você não é o Saladino da história. A dificuldade que enfrentaremos será diretamente proporcional à maneira como foi negociado o projeto, ao momento financeiro do cliente e, até mesmo, à visibilidade que sua empresa, ou você, têm frente a seus contratantes. Ou seja: negociou mal e, ainda por cima, é um pequeno e independente consultor? Cuidado, a chance da queda é maior.

Mas por que devemos cobrar?

Parece uma pergunta boba, mas em alguns casos, pagar por seu trabalho é a última coisa que o cliente vai querer. Imagine que você está num meio do famoso time multidisciplinar (na maioria das vezes, infelizmente, isso quer dizer que ligaram para você e para mais duas ou três figuras três dias antes da reunião inicial com um megacliente), quarteirizado e ainda por cima tem que se comportar como integrante de um time vencedor e junto há alguns anos pelo menos. Quer argumentação você terá, sabendo que seu preço terá, pelo menos, duas taxas de comissão e duas negociações paralelas, ou seja, você X produtora e produtora X cliente? Ou ainda: imagine que você está quase fechando e surge o "garoto do 402", famoso personagem que compra um ou dois livros de flash, baixa uns arquivos ".fla" pra lá de marotos e se porta como o próprio mestre macromedia. Como enfrentar perguntas nada espirituosas e justificar toda sua experiência e portfolio ao ouvir pérolas do tipo "você também faz aquelas animações que estão usando agora?", "Mas tudo isso para você escrever alguns textos?", "Você é arquiteto e mexe com internet? Estranho..., foi a crise, né?" Cabeça erguida. A vitória é para poucos. Você deve cobrar porque é um profissional. Porque sabe fazer o que pouca gente sabe. Porque conhece internet como ninguém. E porque, caramba, quem vai ficar acordado até as 3h da manhã? Você deve cobrar, e bem, por que é assim que será respeitado. Mas...

Cobrar tem hora certa?

Tem. Eu particularmente evito dar um preço logo no primeiro contato. Muitos amigos agem assim também. Você precisa pensar, analisar, pesquisar a vida do cliente, o que já se fez para ele e até mesmo computar taxas de urgência e oportunidades indiretas. Normalmente o que indico é levantar um briefing bem bacana, ir para casa/escritório, fazer uma pesquisa de uma tarde inteira, estudar como anda sua alocação, checar se nenhum cliente está pretendendo te contactar no momento e, computando tudo isso, chegar a um preço bruto. Taxas de negociação, porcentagens a mais ou menos em função do interesse são coisas pessoais. Deixo para a imaginação dos leitores. Calma, tem mais...

Métodos mais comuns

Ainda que pensando tudo isso, existem alguns métodos básicos de levantamento de preço. Enumero os mais comuns. Se algum leitor lembrar de um novo, esteja à vontade...
  • Lauda, layout, peça, fonograma, foto, ilustração. Funciona muito bem quando estamos falando de apenas uma peça ou pequenas campanhas. Os sindicatos e associações têm suas tabelas. Que são irreais na maioria dos casos. Vale aqui conversar com parceiros e tirar uma média que você adapta de acordo com o perfil do cliente.
  • Escopo fechado. É um grande risco. Porque, salvo raríssimas e honrosas exceções (i.e. Gerentes de Projetos competentes) o escopo é tão fechado como a defesa do Flamengo (duro admitir, principalmente como rubro-negro). O maior cano da minha vida, por exemplo, tomei assim.
  • Hora. Tem se mostrado o método ideal. Se você é de criação como eu, fica difícil quantificar quanto vale uma hora de trabalho. O mais interessante é que cada lugar acredita num valor. Não dá nem para dar um parâmetro, já vi falarem de R$ 18, 200, 400...e até inacreditáveis R$ 800. Sinceramente? R$ 100, 150 acho justo. R$ 180, ideal. Ajuste de acordo com a duração do projeto: os mais curtos, hora mais cara, os mais longos hora mais em conta. Estamos indo bem? Você já mostrou para seu cliente, que a essa altura já é seu amigo, que é preciso pagar alguma coisa, que você não é o garoto do 402 e que, caso prefira tem três modalidades de cobrança e que a última (R$180!!!) é a mais indicada. Só falta fechar, correto? Muita calma nessa hora. Nada de avançar o...
  • ...Sinal. Sabe aquele pacto romântico - com um suave toque realista, que ninguém está aqui para acabar com a vida assim, sem mais nem menos -, em que furamos os dedões e trocamos gotas de sangue para todo o sempre com as nossas namoradas adolescentes? É sempre bom garantir alguma coisa assim quando se fecha um projeto. Como vai pegar mal a primeira alternativa, sugiro o bom e velho sinal. Vinte por cento está ótimo. Fecha o compromisso por parte do cliente, deixa você feliz e estimulado para trabalhar e te dá uma p... responsabilidade. Agora a coisa é séria, mãos à obra. Pegue todo o combinado, coloque naquela propostinha caprichada e mostre ao que veio. Você só tem uma chance.

Mais dicas!

O tema, pelo que vimos até gora, é vasto. Algumas idéias do rascunho eu nem abordei. Aos poucos vamos colhendo o retorno e registrando novas versões dessa difícil tarefa, a de dizer, afinal, o quanto seu trabalho - e você -, valem. Seja qual for o tamanho do orçamento, seja quantos prêmios você vai ganhar com um belíssimo hotsite, ou ainda, quanto trabalho vai agilizar para os cinco mil empregados que utilizarão a intranet que você desenvolveu, todo preço tem seu preço. O único que não pode pagar é você. Para fechar, mais onze dicas:
  • O valor que você cobra para os seus serviços é diretamente proporcional à firmeza do seu papo na hora de negociar. Quanto mais segurança na sua proposta, mais chance dela ser aceita sem regateios. Se você achar que o cliente é pão-duro, adicione um a mais no orçamento para negociar até o valor que você acha justo. ALiás, você deve sempre ter uma contra-proposta na manga. Não tem coisa pior do que começar um frila já puto porque ficou barato.
  • Não entre naquele papo de "depois a gente acerta". Depois você não vai acertar nada porque o cliente vai te enrolar. Bote o "acerto" por escrito com discriminação de valores, datas de pagamento e forma de pagamento. Assim, você nunca cai no disse-não-disse e acaba levando um cano.
  • 50% de entrada, sempre. Se o cliente muda o jogo no meio do projeto ou desiste de você, pelo menos você já ganhou algum. E mais importante, você passa para o cliente que você não é nenhum otário que trabalha de graça.
  • Não tenha medo de cobrar o extra, se você tiver que trabalhar mais do que o previsto. Acordo é acordo. A maioria das pessoas que conheço sai no prejuízo porque tem vergonha de cobrar aquele valor adicional por causa de uma idéia que surgiu tarde no projeto e deixa o cliente enrolar com medo de macular a excelente relação até aquele ponto. Os clientes geralmente respeitam o fato de você pedir o que lhe é de direito. Mostra caráter.
  • Não cobre mais barato só porque você está com todas as contas atrasadas. O desespero de um free-lancer pode ser grande às vezes, mas não vale apenas fazer concessões e dar descontos absurdos para apagar um incêndio. Isso acaba queimando o teu filme, e no final, você acaba tendo de pagar do próprio bolso pelo prejuízo.
  • Não cobre muito mais barato só para desbancar a concorrência, e nunca cobre abaixo da tabela do sindicato. Isso abaixa a média do mercado e acaba sendo prejudicial para você no futuro.
  • Se você conseguir prever que vai fazer mais de um trabalho com o mesmo cliente, pense bem na hora de cobrar o primeiro trabalho. Todos os trabalhos subsequentes serão baseados no preço que você deu para o primeiro. Se cobrou barato no primeiro, vai sair no prejuízo no segundo e assim por diante. Se o cliente te recomendar para outro cliente por causa do teu preço baixo, você dançou, vai ter que cobrar mais baixo sempre.
  • Não gaste todo o dinheiro que ganhar. Assim que entrar os primeiros 50%, resolva os pepinos e já garanta as contas do mês seguinte. Assim você não vai se desesperar e ser refém os ítens 5, 6 e 7.
  • Inversamente, não cobre muito mais caro só porque está precisando. Isso não só não vai te dar o job (cliente saca quando vc está enrolando ele), como vai ter fama de "careiro" e "ganancioso" no mercado. (Mas se colar, colou. E isso só com cliente tipo papai noel, que aparece umas duas vezes na sua carreira, fora isso, todos os clientes sempre pedem para baixar ou correm pro mais barato)
  • Se você não tiver muito campo de manobra na hora de fazer o seu preço, pergunte quanto o cliente teria para lhe pagar, e inverta o jogo desenvolvendo um escopo condizente com aquele valor, dizendo "por esse valor, eu só posso fazer tanto."
  • Nunca pergunte ao cliente o valor das propostas de seus concorrentes. Mostra insegurança e mostra que você molda o seu valor de acordo com os outros. É a maior pagação de mico.