Contaminados pelo mainstream é comum nos considerarmos senhores do mundo, detentores de todas as fontes possíveis de conteúdo, suficientes em nós mesmos. E aí ouvimos o que cai em nossas mãos através dos canais convencionais. Só que o melhor da vida é não ser convencional. É por isso que estou aqui, por exemplo, trazendo para vocês, quase todos os dias, artigos, entrevistas e, sobretudo, referências para auxiliá-los em vossa formação pessoal. Eis que surge em meu Gmail uma mensagem do Diretor de Marketing do selo Putumayo World Music. "Como poderíamos estabelecer uma parceria com seu site?" Discretamente dei um pulo na URL deles e fiquei impressionado: estava ali, organizado e muito bem fundamentado um catálogo com grandes momentos da música mundial: gregos, asiáticos, africanos, romenos, irlandeses...volto para o e-mail: "Cézanne, meu amigo, vamos resenhar os títulos de vocês! Sou fã de world music...meu iTunes é praticamente um posto-avançado da ONU. Vocês topam?" É claro que toparam. E fechamos nossa parceria nos seguintes termos: a Putumayo me envia lançamentos e peças de catálogo e eu, todas as terças-feiras, emito minha discreta opinião sobre as canções e intérpretes. Claro que sou especialista, apenas, em minha própria opinião. Mas tenho certeza que nossa comunidade deve contar com músicos e produtores gabaritados, para quem a caixa de comentários estará sempre aberta. Ou seja: todo mundo ganha. A PutuMayo se apresenta a nossa comunidade, vocês levam para casa aquilo que mais gostarem, opinando do porque da escolha. E eu aprendo com tudo o que vocês falarem, certo? Acreditem, o catálogo é coisa pra lá de especial. A resenha que você vai ler a seguir é prova disso. afro-port.jpg Ai que eu aqui não morro ai que eu aqui não fico. O primeiro título que trago para vocês é o An Afro-Portuguese Odyssey que propõe uma leitura dos diversos dialetos de antigas colônias que professam a língua portuguesa como seu idioma pátrio. Terras como Cabo-verde, Angola, GuinéBissal, Moçambique e outras que ao misturarem elementos africanos, europeus e brasileiros produziram sons e experiências entre as mais curiosas. O que me fez gostar deste CD (além de voltar a ouvir um CD nestes tempos de mp3) foi a possibilidade de aprender muito sobre nós mesmos, a saber, ouvintes de música brasileira. Por exemplo, como não entender o lamento do Samba quando se ouve Zé Inácio, na voz de Paulo Flores, nos contar a história de um encontro improvável que termina bem? Aos mais apressados que levantem um “Eduardo e Mônica”, vale a advertência: isso é coisa mais antiga. Tem a ver com aromas de periferia, de tempo que passa em outro ritmo, que histórias que se contam e se passam como tradições orais. Sinta-se, antes de num novo lugar, apenas levado de volta, nesta faixa que destaco em especial: Zé Inácio (Paulo Flores) Zé Inácio pega fácil, capina na esquina do mundo/ Dá o coro, Zé cabaret pega a estrada/ Vende haxixe e cocaína que a Odalina pagaOdalina tão menina trabalha na esquina da rua/ Vende o corpo, quando cai cala seu choro/ Ao gemer sufoca um grito, ai se é aqui que eu morro/ Ai se é aqui que eu fico, ai se é aqui que eu morro/ Ai se é aqui que eu fico O Zé saiu da lavoura foi procurar outra esquina/ Deu de cara com a esperança do amor dessa menina, Odalina/ O Zé disse meu amor, que queres para trocar/ O andar de cama em cama braço em braço/ Pelo meu lar E gemeu do seu gemer e beijou do seu beijar/ E a linda Odalina já amava só de amar/ Por querer calou seu choro, por prazer falou seu grito/ Ai que eu aqui não morro ai que eu aqui não fico/ Ai que eu aqui não morro ai que eu aqui não fico... Lindo, não? Tem mais, muito mais... An Afro-Portuguese Odyssey continua com excelentes momentos dos quais destaco ainda E você o que será que vai gostar? Em resumo, é uma experiência válida e interessante como detonadora de um conhecimento novo: raízes e origens de nossa própria música. Esta história não começou e nem vai terminar neste primeiro CD, acreditem. Basta uma rápida navegada pela cultura e história do pessoal abaixo para você ter uma idéia: Semana que vem... Turkish Groove: Uma viagem direta para o mosaico dos Bálcãs, Ásia Central e Oriente Médio. aguardem...Enquanto isso, comentem, o pá.