Basta uma rápida olhada pela programação da TV que algo salta aos olhos: os autores brasileiros deveriam ter mais cuidado quando o assunto é retratar categorias profissionais. Tudo bem que estamos falando de ficção. Mas, aqui em nossa terra, as telenovelas têm seu poder de formação comprovado entre gerações e gerações. Não há como negar. Temos um exemplo bem interessante no ar: a novela das 9 da TV Glóbulo. Em Insensato Coração temos um escritório de design de produtos (O nome do escritório: InDesign! Piada interna?) onde todos representam rápidos estereótipos, escorregando várias vezes em textos nonsense! Senão, vejamos: André Gurgel: é o gênio criativo. Designer premiado no mundo todo e com inspiração brotando pelas ventas. Como todo gênio, André não gosta muito de trabalhar. Curioso, pois qualquer pessoa que ele esbarra no Rio tem um móvel seu na sala. Outro dia um doutorando com viagem marcada e dinheiro contado, tinha uma cadeira sua. Vida acadêmica e móveis de grife combinam? O primeiro mestrando que mande a foto de seu sofá comprado na "Toque a Campanhia" para provar! Ainda na linha do irreal, André Gurgel cria sentado no sofá, rabiscando folhas A4 amassadas e, em poucas semanas, deu à luz ao berço do próprio filho. uma criação genial, não fosse por um detalhe: parece ter sido feita em poliuretano. Um estúdio de design de produto utilizando derivado de petróleo em épocas de patrulha ambiental? #porrandregurgel Marina Drumond: como é atribulada a vida da empresária Marina! Depois de uma temporada em Milão ela volta ao país para montar seu escritório. Nossa, isso sim foi um desafio e tanto. Era tanta coisa para administrar: arquitetos, equipe da obra, ela vivia esbaforida. Afinal, não tinha nenhum cliente, mas estava montando um escritório de ponta e circulando pelas festas do Rio enquanto olhava portfólios! Mas, calma, que tudo pode ficar mais difícil! Ela precisava fechar contratos. O que ela fez? Foi mergulhar, é claro! E, no fundo do mar, achou um cliente e lá, fechou o contrato âncora (sem trocadilho) de seu escritório. Calma que tem mais: decidida a esquecer seu grande amor, volta para Milão. A viagem, segundo ela, foi um fracasso. Mas, sim, ela trouxe mais três contratos eu Euro! Marina fecha contratos enquanto ri. e para fechar, claro, tem a ex-freelancer: Úrsula que trabalhava como freelancer nas horas vagas consegue mostrar seu portfólio para a ex-amiga de faculdade que, por acaso, é a mesma Marina. Enfim, consegue o emprego para...fazer um auê danado, corneando amante e noivo ao mesmo tempo e ainda por cima tentando roubar o tal cliente conseguido debaixo d´água. Pô, justo a freelancer?

Conclusões

Embora estejamos falando de uma obra de Gilberto Braga, que curte um vilão como ninguém - e sabe levá-los para a história da cultura pop nacional de forma magistral -, fiquei aqui pensando se temos o mesmo tipo de abordagem para médicos, engenheiros, professores etc. Podemos dizer que algumas categorias profissionais são retratadas de forma menos realistas do que as demais. Arrisco dizer que sim e, até mesmo, enumerar duas razões. A primeira é que algumas profissões são distantes do grande público. Novela é um produto democrático e nacional, assistido por você em sua cobertura de frente para o mar e por você, que passou na lan-house para olhar os e-mails e correu para a praça onde a (única) TV de sua pequena cidade passa o Jornal Nacional e a TV religiosamente todos os dias. Acredito que, neste universo é natural que ninguém entenda o que um designer de produto faça mesmo. Mas senhor Gilberto, o que é democrátivo tem função social. Custava nada explicar. Vai que no meio da mesma praça que citei anteriormente esteja o próximo Jonathan Ive? A segunda é que...autoreferência é perigosa. As novas empregam em seu processo produtivo, redatores, designers, animadores, programadores. Quem sabe esta limitação em algumas abordagens não é só reflexo de uma insegurança interna? Bom, era isso. Agora quero ouvir vocês. E não me digam que fecharam três contratos em Euro jogando a pelada de quarta-feira!