Um dia, ao acordar, olhei para a estante que ficava bem em frente a minha cama e mais uma vez constatei que nenhum livro era de minha autoria. Decididamente, aquela não era a vida profissional que eu desejava levar até o resto da minha vida. Fiz jornalismo porque gostava de escrever, simples assim. Durante o curso, trabalhava como frila escrevendo matérias de comportamento para adolescentes. Antes de me formar, já estava contratada como redatora em uma revista feminina. A partir daí, atuei em jornais, emissoras de televisão, lecionei em faculdades de Comunicação Social... Apesar das dificuldades comuns a minha carreira, era quase que totalmente feliz com ela: os meus olhos estavam na esquina do lado. Na verdade, verdade mesmo, queria ser escritora e passei anos no divã reclamando por não poder concretizar o meu sonho. Faltava coragem para decidir entre o dilema “salário certo na conta”  X  “insegurança total”. vera-lucas-jornalista Acho que naquela manhã da estante o copo transbordou. Virei a mesa e pedi para sair dos meus dois empregos. Finalmente, optei por mudar de calçada. Recomeçaria de onde começara: como frila. É bom explicar que eu não estava zerada financeiramente. Além de receber o FGTS e outros direitos trabalhistas, economizara para o dia em que incluísse a ficção na total realidade do jornalismo. Isso foi fundamental. No meu caso, sem nenhuma perspectiva, calculei que precisava ter reservas suficientes para pagar as contas por pelo menos um ano. Eu sou meio louca, mas nem tanto... Desempregada, vendi o carro, me mudei para um apartamento bem menor, cortei todos os gastos supérfluos, acabei com o cheque especial e fiquei só com um cartão de crédito para emergências. Ao ver algo numa loja, avaliava: “Quero ou preciso?”. Quando a resposta era “quero”, sem chances. Se fosse “preciso”, me perguntava: “Posso comprar sem fazer dívidas?”. Em caso negativo, sem chances também.  Acabei descobrindo que a maioria das coisas eu não precisava tanto assim. Sabe, não existe milagre financeiro. Só dá para gastar o que se recebe e eu não estava, até aquele momento, ganhando nada. As economias não são renda, terminam. Acho que naquela manhã da estante o copo transbordou. Virei a mesa e pedi para sair dos meus dois empregos No início não foi fácil. Levei muitas negativas na cara, inúmeros e-mails que enviei não foram respondidos, fiz alguns frilas chatos, outros que pagaram uma miséria, caí, deprimi, me arrependi, levantei de novo, uma montanha-russa. Mas eu tinha uma boa lista de contatos – alguns me encomendaram ótimos trabalhos -, fizera amigos no meio profissional – que me passavam dicas - e sabia que o meu trabalho (texto) era bom – o que me tornava confiante.  Três itens que considero indispensáveis para quem se atira nessa aventura. Com a grana tipo bungee jumping, o tempo ia passando. Creio que eu já estava nessa há um ano quando recebi uma oferta maravilhosa. A editora de uma faculdade onde lecionei me encomendou um livro sobre jornalismo. Depois, escrevi mais dois, um sobre televisão e outro sobre comunicação comunitária. Ganhei uma quantia legal pelas obras e fiquei mais equilibrada financeiramente. Em paralelo, criei um blog (www.veralucas.wordpress.com) que não me rende dinheiro, mas divulga o meu nome. Nem sempre o papel moeda é o mais importante, sem marketing nada acontece. Além disso, o blog é uma terapia para mim. Nele me divirto escrevendo crônicas e artigos, a maioria engraçados. Aí, achei que estava na hora de escrever o meu primeiro romance. Ele se transformou também no primeiro calote que levei. Embora o livro tenha sido badalado, recebido críticas favoráveis, participado da Bienal de São Paulo e de feiras literárias, a Editora não me pagou nenhum direito autoral sobre as vendas. Não recebi uma moedinha sequer. Recentemente, levei outro calote. Desde o ano passado editava apostilas para um curso. Ano eleitoral, os pagamentos começaram a atrasar e, até hoje, não depositaram o último. Reclamei, esperneei, mas dessa vez aprendi. Os calotes fazem parte da vida dos frilas. Agora, na hora de assinar o contrato, o meu advogado entra na frente.  Não dá para confiar em palavras, promessas (pode ficar o dito pelo não dito) ou tentar entender aquelas letras pequenininhas e cláusulas que, aparentemente, não significam nada para nós, pobres mortais. No momento estou escrevendo um novo livro e tento um patrocínio. A temática dele, além de tempo, demanda várias entrevistas e locomoções.  Devo ter mandado e-mails para cerca de dez editoras, explicando o meu projeto. Todas demonstraram grande interesse, mas em receber os originais da obra completa, entende?  Ou seja, nada de ajuda de custo. O jeito é me dedicar menos ao livro e mais a firma que abri (www.biografiaexclusiva.wordpress.com). Como o nome sugere, escrevo histórias de empresas, debutantes e profissionais, entre outros. Vai caminhando devagar, mas para frente – isso é o que importa. E, além do mais, adoro ouvir depoimentos, causos, criar o texto final, entregar os livros prontos para os clientes. Como está a minha situação? Ainda difícil, meio corda bamba. Entretanto, não me arrependo da decisão que tomei. É ótimo fazer o que gosto, me sentir realizada. Claro que é super, ultra estressante não saber quanto vou ganhar no mês seguinte. Mas já estou me acostumando... E, tirando os funcionários públicos, quem pode dizer que tem um emprego garantido?